AS ASAS DA LIBERDADE
por Ricardo André
“Won't you help to sing these songs of freedom? 'Cause all i ever have: redemption songs”. Os preciosos versos de Robert Nesta Marley tratam da música como forma de aliviar a dor de ser arrancado a fórceps de sua África natal e distribuído ao novo mundo reduzido à condição de ferramenta, escravo.
A América do Norte foi o destino dos negros oriundos de regiões situadas ao norte da África - hoje Senegal, Congo e Gana, entre outros - enquanto a "nós" da America Latina couberam os negros vindos de regiões mais ao sul do continente africano, onde hoje situam-se países como Moçambique e Angola. Toda a mão-de-obra escrava, já em suas terras de origem, usava a música como forma de transmissão oral de sua tradição cultural e, agora, na condição de escravos, sua musicalidade convertida em “peças de resistência” aliviava o espírito do exaustivo trabalho, como as work songs cantadas em uníssono por escravos nas condições ilustradas pela imagem acima.
Curioso é que a rigidez da colonização protestante britânica proibia os escravos da utilização de instrumentos de percussão e sopro, temendo que pudessem (e poderiam!) ser usados como forma de arregimentação, acabando por oxigenar indesejáveis rebeliões. Já a colonização católica latina não proibira a batucada dos escravos, desde que o fizessem reservadamente. Isso, aliado a outros fatores, fez com que lá em cima se difundissem mais os instrumentos de corda, dando origem, por exemplo, ao blues, semente do rock and roll. Cá em baixo, essa gente bronzeada mostra seu valor com ritmos cuja espinha dorsal é formada por instrumentos de percussão: o samba, o mambo, a rumba, a salsa, etc...
De lá pra cá, muitas coisas mudaram (o curso do tempo diluiu as proibições verticais, permitindo a gradual fusão das multifárias influências rítmicas), outras nem tanto (como reconhecera M. Yuka: “todo camburão tem um pouco de navio negreiro”). Mas - assim como o todo é mais do que a soma de suas partes - a música não é meramente a junção seqüencial e harmônica de diversas notas musicais. É, e sempre será, sobretudo, uma das mais inatas e inexpugnáveis formas de expressão da liberdade.
Como o blog é uma ferramenta muda, nesta coluna - periódica na medida do possível - a "primeira arte" será apenas lida. É o quinhão musical do blog do MFC. Contudo, espero que, ao final de cada tempo perdido aqui, dê aquela vontade de cumprir o velho ritual: botar o disquinho na bandeja, apertar o play e aumentar o volume.
7 comentários:
Interessante! È cultura a todo vapor...sementes da musicalidade de nosso país, de nosso continenete americano.Parabéns mesmo, até imprimi pra mim. Fiquei fã e voltarei sempre para paniceia musicalis.O Blog está de muito bom gostso divertido e sofisticado.
Os negros incautos sempre fizeram da criatividade musical sua arte maior. Os poderosos se aproveitarm da força desse povo. E nós nos aproveitamos disso curtindo essa mistura musical.
Gostei. Diferente e instrutivo. Valeu.
A força musical desse povo é tão grande quanto a violência sofrida por eles.E vocês souberam transmitir a sonoridade em linhas.Discreta e objetivamente. O blog está, além de instrutivo, divertido e inteligente. Uma opção agradável de leitura.
Futebol aliado com cultura fica muito melhor!
Não basta o choque, o genocídio étnico e cultural, a violência fisíca contra os negros foi demais. Então, somente com a música eles realmente se libertavam. Uma liberação profunda, de raiz , de alma. Beleza de matéria.Fiquei emocionado.
Valeu pelo incentivo, folks!
A segunda coluna já está no ar e todo final de semana(ou sábado ou domingo) tem uma nova no blog!
Um forte abraço a todos e...
Keep rocking!
Ricardo André.
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